sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Capítulo 6 – Desfazendo impressões

Chegamos à portaria. Mas Justin estava seguindo em direção a garagem que ficava no andar subterrâneo.

 Está com seu carro? – Perguntei.

 Sim.

Descemos a escada e chegamos à garagem. Esperei por Justin na porta de entrada e saída. Ele chegou. Entrei no carro, e fechei a porta. Coloquei o casaco em cima de minhas coxas e a bolsa sobre ele. Os fitei, calada. Pela visão periférica pude vê-lo me olhar. O carro estava parado. O sinal deveria estar fechado.

 Você mora sozinha? – Perguntou.

 Sim. – Respondi, ainda fitando a bolsa e o casaco.

 Há quanto tempo?

 Não mais que um ano e meio.

 Você não quer me contar como começou a morar sozinha, não é? – Senti a curiosidade em sua voz.

 Não. – Respondi. Eu não contaria por dois motivos: não gostava de falar sobre isso, e seria bom ver Justin curioso.

 Quantos anos você tem?

 Faz diferença saber?

 Acho que sim. – Deu de ombros.

 Dezesseis.

 Você é mais nova que eu?

 Acho que sim. Quantos anos você tem?

 Dezessete.

 Então eu sou. – Respondi por fim.

Nos calamos. Olhei pela janela afora, à noite dominando a cidade. Os prédios, as casas, as lojas, entre outros, passavam pelo vidro fechado da janela como borrões. Eu não olhei para ver a qual velocidade Justin andava, mas era alta.

O carro virou, fazendo um retorno. Em cerca de 1 minuto, Justin freou, parando o carro. Olhei para ele.

 Vamos comer aqui, desça. – Disse ele.

 Posso escolher a mesa? – Perguntei.

 É melhor não. Só estou pedindo que você desça, porque seu fedor infestou o carro, e eu não quero que você fique aqui muito tempo, senão vai empestear e o fedor não sairá. – Justin fez uma expressão inocente, mas seus olhos zombavam de mim descaradamente.

 Você não perde uma oportunidade sequer. – Protestei.

 Jamais. Se caso um dia isso acontecer, significa que eu deixei de ser o Justin.

 Ou que você recuperou seu coração e o bom senso. – Completei. Saí, colocando o casaco e a bolsa no braço esquerdo, e bati a porta. – Vou entrar. – Avisei.


Justin deu a ré, manobrando para ir para o estacionamento que ficava ao lado direito do restaurante. Olhei para o restaurante, acima da porta de madeira pintada de branco, havia algo escrito, as letras eram pintadas de verde e vermelho, típico de restaurante italiano, demorei para decifrar o que estava escrito, mas por vim decifrei: Angolo d'Italia, esse era o nome do restaurante. Ao lado da porta havia arbustos com diversas espécies de flores. Entre os arbustos tinha uma escada com quatro degraus de vidro e suporte de ferro prateado, era o que parecia. Terminando a escada vinha a porta de entrada. Justin se pôs ao meu lado. Sem falar nada ele caminhou para a escada e eu o segui. Um rapaz sorridente da pele branca com cabelos negros, usando smoking abriu a porta para entramos.

O restaurante era simples, mas lindo e sofisticado. Nas paredes havia quadros, pratos, e títulos. Quase todos eram da Itália, alguns eram aqui de Atlanta, e a maioria narrava a história do restaurante ao longo do tempo. As janelas eram grandes e de vidros, e quando escancaradas se tornavam maiores ainda. O vento que refrescava dentro do restaurante era natural, que vinha das árvores da redondeza. O cara que parecia ser o gerente veio nos receber após percorremos metade do restaurante. Percebi que ao lado da porta que levava para a cozinha, havia outra porta que dava nos fundos do restaurante, além dela havia uma varanda, com sofás, pufes, tapetes e abajures pendurados por fios de náilon que pareciam ser resistentes. No canto direito, ao lado da porta que dava na varanda, havia uma escada, exatamente como a escada da entrada, exceto por essa ser maior e mais alta.

 Vamos comer no segundo andar? – Perguntei, engolindo em seco.

 Sim. Por que?

 Essa escada não é confiável.

 Aposto que ela foi feita para suportar pesos como o seu, por exemplo. – Disse Justin, concluindo a frase com um sorriso.

 Pois é. O meu ela até suporta, já o seu não tenha tanta certeza.

 Subiremos então um de cada vez.

 É claro. – Concluí.


O gerente nos dirigiu para o segundo andar. Subi os degraus com medo. Cada passo que dava segurava mais firme no corrimão e fitava o chão, pesando que nos próximos segundos estaria estirada nele com o tombo. Mas os vidros e o suporte eram resistentes e me pouparam essa desgraça.

Chegamos ao segundo andar. Só metade dele tinha cobertura para quem estava no primeiro andar, ou o chão, para quem estava no segundo. Metade era um vazio e acima desse vazio havia uma grande janela de vidro, inclinada e íngreme, mas essa não se abria, era completamente fechada. Dela via-se a lua e algumas constelações. Que linda aquela visão. Observei o céu e esqueci da vida.

 Estrelas e lua não enchem o estômago. – Disse Justin, interrompendo meu transe.

 Nem ego.

 Ahn... – Disse o gerente, interrompendo nossa pequena discussão, atraindo ambas as atenções para ele. – Que tal escolhermos o lugar para a refeição? – Disse sem graça.

 Ficarei com a sacada.

 Qual parte? – Perguntou o gerente, já com um bloquinho branco em mãos para anotar.

 Ela toda. Feche tudo pra mim, ok? – Disse Justin.

 Ok, senhor. Pegarei os cardápios, e um petisco por conta da casa, em breve os trarei.

 Valeu. – Disse Justin, terminando a conversa.

O gerente no deixou a sós, descendo. No segundo andar não havia ninguém, exceto por Justin e eu. O olhei.

 Vamos para a sacada. – Disse ele. Apenas o segui.


Chegamos à sacada. Um grande sofá preto contornava todos os cantos da sacada. Nele havia almofadas de diversos tamanhos, desenhos e cores. No centro da sacada havia uma mesinha preta. Deduzi que as comidas ficariam ali. Havia aqui abajures como os da varanda, porém maiores e mais bonitos. Apesar de ser italiano, esse espaço me lembrava restaurante japonês. Fiquei calada para não haver discussão entre Justin e eu. Com certeza ele discordaria.

Sentamos na parte do sofá que dava pra ver a varanda e o estacionamento lá embaixo. Brinquei com minhas mãos, inquieta. Queria falar com Justin, mas estava insegura. Suspirei e resolvi falar.

 Ahn... Justin? – Chamei sussurrando, com medo de sua reação.

 Diga.

 Eu não tenho dinheiro pra rachar a conta contigo. Eu tive alguns problemas pessoais e muitas despesas por conta disso, e infelizmente só tenho 50 dólares.

 Eu não acredito que você está dizendo isso. – Ele olhou em meus olhos, sua expressão era de abismado. 

 Sinceridade é meu forte, embora, às vezes isso não seja bom.

 Lindsay, se eu te chamei, é porque eu vou pagar. Eu não preciso do seu dinheiro, sem zombaria, ok? Mas graças a Deus tenho dinheiro suficiente para comprar esse restaurante, quem dirá pagar uma mera conta.

 Já que você diz isso... não irei insistir. – Gargalhei.

Justin me fitou com dúvida. Parei de gargalhar, ficando séria, e em dúvida como ele.

 Sua risada é medonha. – Disse quebrando o silêncio.

 Já experimentou julgar a sua?

Justin abriu a boca para me insultar, mas o gerente chegou bem na hora.

 Licença. Aqui estão os cardápios. – Disse, nos entregando. – O petisco já vem. Com licença. – Disse, retirando-se e nos deixando a sós novamente.

 Me empresta seus 50 dólares? – Perguntou Justin, rindo. – To a fim de tomar uma taça de vinho pequena.


Olhei para ele. Justin olhava o cardápio. Abri o meu e procurei a parte da adega. E lá estava, 49 dólares a taça pequena de vinho. Detalhe, era o vinho mais barato. Chocada com esse preço, fiquei boquiaberta.

 Com licença. – Disse uma voz grave.

Justin e eu desgrudamos nossos olhos dos cardápios e olhamos para o dono da voz. Era um garçom, que estava colocando dois pratos brancos e fundos na mesinha preta. Dentro dos pratos havia quilos de Ravióli. Passei a língua por meus lábios ficando maravilhada com aquela visão do paraíso. Só estava com o almoço no estômago, que aliás, já não existia mais almoço.

 Bom apetite. – Disse o garçom, quase se retirando, mas eu interrompi sua saída.

 Obrigada, mas, e a bebida? Não é por conta da casa?

Justin me olhou, indignado e cutucou minha costela direita com seu cotovelo. Mas fingi não sentir.

 Infelizmente, não. – Disse o garçom.

 Ah, que legal. Então morremos de sede, é claro. Mas tudo bem, a culpa não é sua. Obrigada.

 Disponha.

 Duas cocas, por favor, com muito gelo e limão. – Pediu Justin. – A sua também é com limão? – Perguntou me olhando.

 Pode ser. – Dei de ombros.

O garçom assentiu e se foi.

 Não precisa perguntar o que é por conta da casa ou não, beleza? Fique tranquila, nada pesará no seu bolso. – Assegurou.


 Beleza. – Disse, e voltei minha atenção para o cardápio.

Ouvi um sussurrar, talvez fossem as pessoas que estavam na varanda, conversando baixo. Ouvi de novo, agora mais perto. Olhei para meu lado direito. Justin me olhava ereto, como se tivesse sido pego em flagrante.

 Pois não? – Voltei a olhar para o cardápio. Percebi que o sussurro saia de seus lábios, e que, ele desejava falar comigo.

 Qual é daquele cara de ontem?

 Que cara? – Me fingi de desentendida, ainda olhando o cardápio.

 O que queria te matar, e aí, clareou sua mente?

 Ah. – Tentei não parecer nervosa. – O que tem ele?

 Você que sabe. O que ele é seu? Cliente?

 A-ham. Por isso não deixei você entrar quando foi lá no apartamento. Ele estava no meu quarto, e se te visse não gostaria. Nem você também, ele estava completamente nu em cima da cama. – Disse sarcástica.

 Mas então porque ele quis te matar? Quem é que faz programa nessa situação, você ou ele?

 Ambos. – Disse seca.

 Ah, então você não fez direito e nem pagou, foi isso?

 Acertou em cheio. – Zombei.

 Me sinto péssimo por você, sabe? Deve ser horrível perder a única pessoa que nos olha com prazer. Vai ser difícil arrumar outro, com esse seu jeito nojento.

 E se eu te disser que não?  Olhei para ele, esquecendo o cardápio.

 Quem é então?


 Você sabe quem é. Ontem ele me chamou pra jantar, e aqui estamos nós, eu e ele.

Justin, pego de surpresa, incapaz de esboçar qualquer reação ou falar, arregalou os olhos e ficou boquiaberto.

 Antes de falarmos, devemos pensar duas vezes. Para não passarmos vergonha e ficarmos com uma cara de tacho feito a sua. – Balancei a cabeça negativamente.
Justin continuou paralisado. Juntei meu indicador com o polegar, e os estalei, para “acordar” Justin. Ele mexeu a cabeça, parecendo voltar a si.

 Se eu te chamei pra jantar, foi por pena. Assim que te vi, percebi que você era sozinha e não tinha ninguém. Logicamente saindo para jantar com Justin Bieber, um dia de sua vida sem graça e insignificante faria sentido.

 Tão insignificante que você quer tê-la como companhia para jantar. Justin me humilhe o quanto quiser, você não conseguirá me colocar pra baixo por pouca coisa.

Ele me olhou cauteloso e fez uma expressão de vencido, quando viu que não me abalaria com suas palavras inescrupulosas.

 Mas e o cara? Me responda. – Insistiu, curioso.

 Já respondi. Ele é meu cafetão. Não foi isso que você deduziu? Então...

 Eu estava brincando. – Sussurrou tão baixo, que se, eu não estivesse com minha audição focada em seus dizeres não teria ouvido.

 Mas vejam, só. – Gritei, batendo palmas. – Ele admitiu que também brinca com as pessoas, puxa vida, meus parabéns. – Apertei sua mão direita.

 Pare de me enrolar e diga logo quem é ele. – Disse sério, soltando minha mão.
Respirei fundo e pensei bem antes de começar a falar qualquer palavra que fosse.

 Ok, ele é...

 Desculpem a demora. – O garçom disse, me interrompendo. – Aqui está. – Colocou a bandeja na mesa com duas latas de coca e os dois copos recheados de gelo até a metade e com três pedaços de limões, cortados em círculos.


Justin o fuzilou com os olhos. O garçom sem entender o porquê abaixou a cabeça, fitando o chão e saiu.

 Diga antes que eu arranque meus cabelos de tanto nervoso. – Disse Justin entre dentes.

 Mike é... – Gesticulei com as mãos, enquanto tentava buscar a palavra certa para defini-lo. – Mike é um contrabandista, ou mais que isso. É isso. – Bufei, nervosa.

 Você se envolve com esse tipo de gente? – Disse Justin quase cuspindo de nojo. – Vejo que não estava muito errado com tive pensamentos ruins sobre você.

 Eu não me envolvi com ele porque quis. Aliás, eu até quis, mas minhas necessidades falaram mais alto.

 Quais necessidades? Sexo? Será que você não tem senso em se dar o respeito?

 Você acha mesmo que eu ficaria com alguém só pra suprir a vontade de fazer sexo? Justin, realmente você não me conhece. Pense o que quiser de mim, só não me julgue pela coisa errada.

 Coisa errada? Você que veio dizendo isso, e não soube usar as palavras. Então por qual outro motivo você se relacionou com ele?

 Isso já envolve outra história.

 Então me conte, ora bolas.

 Não. Com o perdão de o vocabulário a seguir: eu posso ser carente, um fracasso, e completamente fudida quando o assunto é amizade, mas eu não saio falando por aí dos meus assuntos mais pessoais, não mesmo. Principalmente pra alguém que eu conheci ontem, que é arrogância e egocentrismo puro. Eu não confio em você. – Disse claramente.

 Não? – Perguntou, em choque.


 Não. – Balancei a cabeça e me inclinei para pegar o copo e a latinha. Abri a latinha, despejando a coca em meu copo e a devolvi para a mesa. Justin fez o mesmo.

Justin deu um gole na coca, e colocou o copo na mesa. Ele segurou minha mão direita que estava vazia, já que a esquerda segurava o copo. Me engasguei com seu gesto repentino.

 Nem me pagando, você vai fazer com que eu fale algo, imagine então, pegando minha mão. Você precisa ser mais astuto. – Avisei.

 Argh. Como você é difícil. – Levantou os braços e os deixou cair com força no sofá, fazendo um barulho abafado.

 Difícil, não. Lembra do que você falou há alguns minutos? Enfim, eu não sou difícil, nem fácil, mas tenho meus princípios.

 Hum. – Disse de deboche. – Acho que o Ravióli ficou para a lixeira se deliciar.

 Também acho. – Concordei.

 Vamos acabar com essa coca e ir embora. – Disse Justin.

 Como? – Perguntei, fingindo não ter entendido.

 Vamos embora.

 Ok.

Bebemos nossas cocas. Peguei meu casaco, minha bolsa, e descemos. Fomos para o caixa. Uma moça, da pele branca, cabelos tão louros que eram quase brancos e olhos azuis penetrantes. Justin a olhava maliciosa descaradamente. Cutuquei sua costela esquerda com meu cotovelo.

 Se liga. – Adverti. – Pague logo a conta.

 Eu estou ligado. – Ele sorriu pra ela, e corando, ela retribuiu o sorriso. – Precisamos falar com o garçom primeiro.

Pra nossa sorte o garçom que estava nos atendendo passou por nós e eu o chamei com um assobio.

 Já pode fechar a conta. – Disse eu.

Ele assentiu e subiu para verificar nosso consumo de comida e bebida.

 Me dá um autógrafo? – Pediu a garota do caixa.

 É claro. – Ele sorriu, malicioso.

Olhei para os dois vendo que estava sobrando ali.

– Enquanto você curte aí, vou ali fora, valeu?

Justin nem me deu ouvidos. Saí revirando os olhos. Já estava fora do restaurante. Do outro lado da rua havia uma loja de conveniências. Atravessei a rua. Entrei na loja indo direto ao caixa. Meu precioso estava logo acima de meus olhos. Pedi dois maços e os paguei. Ao todo deu 10 dólares. Restaram 40 na carteira. Guardei a carteira e um dos maços. Procurei pelo isqueiro perdido na bagunça da bolsa e o achei. Abri o maço que estava em minha mão e dei alguns petelecos para subir um dos cigarros e eu o pegar. Peguei e o levei a boca. Guardei o maço aberto. Coloquei minha mão à frente da parte que acendia para o vento não soprar. Risquei meu dedo no isqueiro e acendi o cigarro. Guardei o isqueiro. Traguei o cigarro e fechei os olhos quando a fumaça chegou a minha garganta, causando ardência. Soltei a fumaça. Abri os olhos. Justin acenava pra mim do outro lado da rua. Atravessei.

– Você fuma? – Perguntou Justin, quando me aproximei dele.

– Não, roubei de um mendigo para parecer uma garota má. – Debochei.

– Puts, super má, rawr. – Debochou também. – Vou pegar o carro. – Avisou.

– Ok. – Dei outra tragada e o esperei.

Olhei para o cigarro e dei um peteleco nele de leve para que, a parte já queimada caísse. Dei outra tragada e soltei a fumaça logo após. Justin surgiu com o carro. Abri a porta traseira e joguei minha bolsa e meu casaco no banco de trás. Fechei a porta. Abri a do carona e entrei. Fechei a porta e coloquei meu punho para fora, não jogara o cigarro fora.

– Já virou um vício? – Perguntou Justin.

– Um hábito. – Respondi dando de ombros, e olhando janela afora.

– Hábito é quase como um vício.

– Depende do ponto de vista. Muitas pessoas têm o hábito de trabalhar e nem por isso são viciadas.

– Mas você é viciada.

– Não.

– Então pare de fumar.

– Não é fácil sair da rotina assim tão de repente. Se eu quiser fazer isso terei de começar aos poucos. Progredindo a cada dia.

– Então comece já.

– Não vejo motivos pra isso.

– Sua saúde já seria um ótimo motivo. – Disse Justin, fingindo preocupação.

– Isso não me preocupa. Tenho dois pulmões. Os dois não ficaram fodidos de uma só vez.

– Se você diz... – Disse Justin, pausando o assunto temporariamente.

Justin parou, desligando o carro.

– Aonde vamos? – Perguntei.

– Comprar comida. Meu estômago está de contorcendo de tanta fome. – Disse descendo do carro e batendo a porta. Fiz o mesmo. Joguei o cigarro no chão e o esmaguei, esfregando meu pé para apagá-lo.

Entramos numa pizzaria. Justin encomendou quatro pizzas gigantes, cada uma com um sabor. Camarão com catupiry, brigadeiro com sorvete, mussarela, e de batata frita com bacon e queijo. Meu estômago agradeceu e ficou enjoado ao mesmo tempo. As pizzas eram variadas e grandes demais, pelo menos pra mim. Pra finalizar, Justin comprou duas garrafas de coca, cada uma de 2 litros e meio, e um pote de sorvete sabor napolitano. Guardamos nossas compras na bolsa e voltamos para o carro, despejando tudo no banco de trás.

– Vamos correr antes que a coca esfrie, e o sorvete derreta. – Disse Justin, ligando o carro e logo dando a partida.

– Vamos correr pra onde? – Perguntei confusa.

– Sua casa.

– Como é?

– Iremos comer em sua casa.

– Engraçado que você decidiu isso como se fosse o dono do imóvel. – Disse. Cada vez mais Justin me surpreendia com essa história de que o mundo girava em função dele.

– Mas a dona não liga, não é?

– Não. Mas só não ligo porque desperdiçar comida é pecado. Que fique bem claro.

Descemos a rampa que levava para a garagem do prédio. Procuramos pela vaga com o número do meu apartamento e Justin estacionou ali. Descemos, pegamos as coisas no banco de trás, Justin travou as portas e seguimos para o elevador. Pegamos o elevador e subimos. Chegamos ao 8º andar, onde ficava meu apartamento. Saímos do elevador e caminhamos até o número 865. Mexi em minha bolsa, pegando a chave, e abrindo a porta.

Liguei o interruptor ao lado direito. O lustre que contornava o teto num quadrado acendeu, iluminando toda a sala. Joguei a bolsa e o casaco em cima do sofá. Levei a sacola com as duas cocas para a cozinha, que era acoplada a sala. Todos os móveis que pertenciam à parte da cozinha, eram de aço inoxidável. Coloquei as cocas sobre o balcão ao lado da pia. Justin se pôs ao meu lado descarregando as quatro caixas soadas de papelão com as pizzas. Peguei dois copos grandes na largura tanto quanto no comprimento e os lavei. Abri uma das garrafas de coca e despejei o líquido nos copos. Caminhei até a geladeira e abri a parte de cima, que era o freezer. Peguei uma forma branca com gelo e coloquei duas pedras de gelo em cada copo. Voltei para a geladeira e guardei a forma de gelo no freezer, deixando a geladeira aberta, peguei uma das garrafas de coca e a coloquei ali. Fechei. Voltei para o balcão. Abri a primeira gaveta de cima pra baixo, que era onde ficavam os talheres. Peguei dois garfos e duas facas. Os lavei. Peguei dois pratos brancos, e quadrados, com dois riscos pretos em cada, no escorredor. Não precisei lavar, pois já estavam limpos. Justin colocava o pote de sorvete no freezer.

– Pegue o catchup, por favor. – Pedi.

Ele pegou o catchup e voltou para o meu lado.

– Coloque essas duas na mesinha de centro. – Pedi, entregando as caixas com a pizza de camarão com catupiry, e de mussarela. Coloquei as outras duas caixas no forno para não esfriarem e permanecerem aquecidas. Enquanto isso, Justin já tinha voltado. – Leve a garrafa e um dos copos. – Pedi.

Coloquei um prato em cima do outro e os talheres por cima. Peguei o copo que restara e fui para a mesinha, colocando tudo ali. Voltei para pegar guardanapos que eu esquecera, e o catchup.

- Espere um minuto. – Disse eu, indo até meu quarto e pegando duas grandes almofadas. Uma roxa e a outra verde. Voltei para a sala. Coloquei-as atrás da mesinha e sentei sobre a verde. Justin sentou-se sobre a roxa. – Argh. – Resmunguei, levantando. Esqueci que ligar a TV e o DVD.

– Sessão cinema? – Perguntou Justin.

– É, né.

Liguei o DVD, e abri a primeira caixinha de DVD que tinha ali, sem prestar atenção. Coloquei o CD para rodar. Peguei o controle da TV e ligue-a. Peguei os dois controles, e fui sentar para comer, enfim sossegada.

– Qual filme? – Perguntou Justin, já de boca cheia.

– Não sei. Coloquei qualquer um. – Dei de ombros. Olhei para suas mãos. Ele só usara a faca para cortar um grande pedaço da pizza de mussarela. Ele comia a pizza com a mão e estava todo lambuzado.

– É para isso que serve o garfo e a faca. – Disse eu, o advertindo. – Para poupar que nos sujemos. 

– Quando a fome bate, regras não são importantes.

Analisei sua frase e vi que ele tinha razão. Fiz o mesmo que Justin fizera. Comemos as pizzas e bebemos quase a garrafa de coca toda sem reclamar. Ao acabarmos com essas duas caixas, resolvemos prestar atenção no filme. Só então percebi que o filme era Ele Não Está Tão Afim de Você.

– Hum, já vi esse filme. – Disse Justin, parecendo desligado.

– Gosto dele.

– Posso perguntar mais uma coisa? Não fique chateada, é que eu sou realmente curioso.

– Pergunte.

– Onde estão seus pais?

– Longe. – Respondi baixo. Meus pensamentos já estavam sendo redirecionados para um lugar longe dali, tão longe quanto meus pais. Mas eu os bloqueie.

– Você não vai falar mesmo, não é?

– Não. Não por enquanto.

– Vou pegar as outras pizzas. – Disse Justin, levantando-se e levando a garrafa de coca junto consigo. Assenti.

Justin voltou com as duas caixas e a outra garrafa. Voltou para a geladeira, e pegou o pote de sorvete, o colocou na mesinha.

– Onde pego uma colher? – Perguntou.

– Onde peguei o garfo e a faca.

Ele assentiu e foi pegar a colher. Voltou com uma colher de sopa. Mas primeiro devoramos a pizza de batata frita com bacon e queijo. Bebemos um copo de coca e abrimos a caixa da pizza de brigadeiro. Totalmente descuidados, enfiamos a colher de sopa no pote de sorvete e jogamos as bolas que conseguimos fazer de qualquer jeito em cima da pizza. A pizza de brigadeiro, comemos com garfo e faca, particularmente eu achava que dava para degustá-la melhor comendo com talher. Essa fora nossa sobremesa. Terminamos com mais essa pizza e bebemos o resto da coca, aos poucos. Com o término da comida nossa atenção foi redirecionada para o filme. Olhei para Justin e ele parecia estar hipnotizado com a TV. Levantei e caminhei até o interruptor, para desligar a luz, já que tínhamos terminado de comer. Desliguei, e voltei para meu lugar. O filme já estava na reta final. Encostei minha cabeça no assento do sofá e prestei atenção na cena.

– Ele não está tão afim de você. – Disse Justin, acho que mais para si mesmo.

Virei minha cabeça no assento, para o lado direito, o olhei, confusa. Ele virou sua cabeça encontrando meu olhar.

– Ele não está tão afim de você. – Repetiu, agora aumento seu timbre, e me olhando atentamente.

– Eu sei, é esse o nome do filme.

– Eu não estou falando do filme.

– Sobre o que está falando? – Perguntei, com uma ponta de curiosidade.

– Não sou muito bom com as palavras, prefiro fazer ao invés de explicar.

Ele inclinou sua cabeça, e nossos rostos ficaram a um palmo de distância. Ofeguei surpresa e desnorteada. Suas orbes douradas me entorpeceram, fazendo com que eu esquecesse da triste realidade por meros segundos que fossem. Nelas eu pude enxergar sentimentos incontroláveis, insaciados, repugnantes, e dúvidas, muitas dúvidas. Era evidente que faltavam verdades naquele olhar, e eu não me deixaria levar pelo simples fato de que ele conseguiu me desconectar da realidade. Refrear esse desejo seria menos doloroso, do que a dor que eu sentiria quando Justin conseguisse um beijo meu e saísse por aí debochando, dizendo que eu fui apenas mais uma imbecil que caíra em sua lábia. O impedi de se aproximar mais, colocando minha mão direita em seu peito, e o refreando.

– Pare. – Disse firme.

– Mas...

– Vá embora.

– Mas eu... – Franziu o cenho, confuso.

– Eu não sou como as outras garotas que você conseguiu por aí, Justin. Não volte mais.

– Mas...

– Desapareça. – Pedi, levantando. – Aliás, se quiser voltar amanhã, pra pegar o resto das coisas, pode, mas não mais que isso. – Fui até o interruptor e acendi a luz.

Ele se pôs ao meu lado, colocou suas mãos entre meu rosto, e me obrigou a olhá-lo. Mas eu abaixei o olhar.

– O que eu fiz? – Perguntou, parecendo inocente.

– Você mente para si mesmo. Volte quando conseguir desvendar essas dúvidas enigmáticas em seus olhos. – Disse.

– Eu...

– Vá. Não insista. – Olhei aquele abismo dourado. – Uma dica: colírio não é a solução. – Abri a porta para ele sair. – Foi bom comer pizza ao seu lado. – Confessei, dando de ombros.

– Você desfez algumas impressões precipitadas. – Disse ele, saindo para o corredor e em seguida me deixando só.

Fechei a porta e a tranquei com a chave. Olhei para a bagunça na sala, mas a deixei para mais tarde. Caminhei sem forças até o quarto. Me joguei sobre minha cama boxer de casal, macia e reconfortante. A imensidão do sono me invadiu.

                                                                Justin P.O.V

Impressões desfeitas e desejos não saciados. Sair com Lindsay hoje foi um tanto inusitado. Não previ nada para nosso encontro, tudo o que houve foi inédito, inclusive a parte que eu não estava “tão afim dela”. Cheguei em casa, e corri para meu quarto. Abri a porta e andei até o banheiro, apoiei minhas mãos na pia e aproximei meu rosto do grande espelho, para olhar meus olhos com mais precisão. Eu não entendia as palavras de Lindsay, meus olhos estavam normais. Não havia nada de errado neles, ela era a única que conseguia ver isso. Incrível. Bufei tedioso. Voltei para o quarto. Me despi e coloquei um calção cinza de dormir. Peguei meu macbook na pequena mesinha branca e o carreguei comigo para a cama. Liguei-o e conectei a internet. Fiz login no twitter.

Me sinto inútil. Não consegui matar sua charada.

Escrevi e enviei o tweet. Não entrei nas minhas mentions, porque eu estava sem paciência para ler algumas. Desliguei o macbook e o coloquei em cima do criado mudo. Tirei o edredom, desforrando a cama e me cobri, deitando de bruços. Percebi então que meus olhos ardiam de sono e os fechei, dormindo em seguida.

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