terça-feira, 3 de setembro de 2013

Capítulo 2 – Carona

 Em qual beco de Atlanta você mora? – Perguntou ríspido.

 Salvar alguém da morte não muda caráter de ninguém, não é mesmo?

 Se eu falar que pena foi o que senti de você, você cala a boca?

 Pelo menos você sentiu algo. Olha, se não quiser me deixar em casa não precisa, ok? Já chega que terei de ser grata a você por ter me salvado, agradecer por me deixar na porta de casa então seria pior ainda.

 Você tem casa? – Perguntou irônico.

 Sim, uma caixa de papelão.

 Era o que eu estava imaginando...

– Só porque você caga dinheiro e mora numa mansão, não significa que as outras pessoas tenham que morar na rua. Onde você aprendeu ser tão escroto?

 Com a vida.

 Ou com as pessoas?

 Minha vida não interessa pra você.

 Acho que esse é o seu problema, sabia? Nunca tem a quem recorrer pra desabafar ou alguém que esteja sempre disponível quando você precisa de um ombro amigo.

 Errou. Eu não preciso disso, eu tenho dinheiro.

 Aí é que está todo o problema, só você não enxerga. Dinheiro não é tudo, Justin. Veja só, você respira dinheiro e nem por isso tem amor, sofre por aí, pois não tem companhias sinceras. Todos que se aproximam de você só vêem seu dinheiro, não vêem quem você realmente é. Aliás, eu até entendo elas, sabe? Por que você por dentro é totalmente sem conteúdo. É nessas horas que eu vejo que beleza e dinheiro não são absolutamente nada.

 Realmente não são absolutamente nada. Veja o seu caso, feia e pobre, mas ainda assim quer dar lição de moral em mim. Se ponha no seu lugar garota. – Disse, freando o carro e me olhando carrancudo.

 Quer saber? Infelizmente, eu sou grata por você ter salvado a minha vida, obrigada. E sou grata também pela carona, mas basta! – Arranquei o cinto e abri a porta.

Fechei a porta com toda força. Ouvi Justin resmungar, provavelmente me xingando.
Passei pela frente do carro. Coincidência ou não, Justin parara antes da faixa de pedestre e o semáforo estava fechado. Atravessei a pista olhando para frente, eu esquecera que a estrada tinha duas pistas a de ida e a de vinda. Vruummm. Ouvi o barulho de um carro acelerando, deveria ser Justin. Educado do jeito que era, ele jamais sentiria remorso por me deixar ali. 

Senti uma mão envolver meu braço esquerdo e me puxar com força, quase me arrancando dali. Distraída, eu não controlei o peso de meu corpo e caí no chão. Dessa vez duas mãos seguraram ao lado de meus braços e me levantaram. Meu coração gelou, não olhei para trás. Deveria ser Mike, ele sempre fora bruto. Milésimos após as duas mãos me suspenderem, um carro passou a mais de 200km/h com as rodas da lateral direita onde minhas pernas estavam quando caí. A velocidade do carro causou um vento violento açoitando os fios de meus cabelos para todos os lados.

– Pelo menos o cabelo é cheiroso. – Disse.

Gelei ainda mais quando descobri que não era Mike. O que dera nele? Um momento de compaixão?

Suas mãos controlaram meu corpo, me fazendo ficar de frente pra ele.

– Não satisfeito em salvar minha vida uma vez, você a salva uma segunda também? – Perguntei.

– Preciso ver você me agradecendo pro resto da vida, deixando seu orgulho besta em segundo plano.

– Você quer falar de orgulho? – Revirei os olhos. – Me poupe disso, ok? Obrigada por salvar minha vida duas vezes. Adeus. – Tirei suas mãos de meus braços e virei, dando as costas para ele. Justin me segurou pelo pulso direito.

– Quando eu dou uma carona, dou a carona até o fim. Entre.

– Uma boa desculpa para disfarçar que você está gostando da minha presença fedorenta.

– Não. Realmente sua presença é podre, menos o cabelo.

– Sei...

Entramos no carro e Justin pisou no acelerador nos fazendo voar dali.

– Onde você mora? – Perguntou.

– Há dois quarteirões daqui.

– Sabe, eu não tenho medo de ratos, mas ele são mais nojentos que você. Lá no beco não tem muitos, não é?

– Tem, porém mesmo nojentos, eles ainda conseguem ser melhores que você. – Sorri amarelo.

– Hum. Não faz diferença. Te deixarei na entrada dele, então não chegarei perto deles.

– Eu não deixaria você impor sua presença desagradável no meu beco.

– Nem eu quero. Obrigado.

Justin correu com o carro por mais alguns metros. Até que eu vi o prédio onde morava próximo.

– Pare nesse prédio de mármore, por favor. – Pedi.

– Tem algum cliente a sua espera? Por que se tiver, desça e vá embora com ele. Meu carro não é táxi pra dar carona pra mais de uma pessoa. Principalmente do seu gênero. – Suspirou, me olhando.

– Não há ninguém a minha espera. Eu moro aqui. Você se precipitou me julgando pela aparência. – Dei uma piscadela. – Nem sempre somos o que parecemos ser, você deveria saber disso. – Abri a porta.

– Espere. – Ele segurou meu braço esquerdo, me fazendo arrepiar com esse gesto. 

Olhei em seus olhos. A claridade ali a frente do meu prédio era boa, e pude ver algo em seus olhos dourados, porém não pude distinguir o que era. Algo mudou. Em seus olhos agora estava a dúvida.

– Falta verdade em seus olhos. – Disse eu.

– Você fala como se me conhecesse.

– Nem você próprio se conhece. – Completei.

Tirei sua mão de meu braço delicadamente e desci. Fechei a porta. Justin olhava pra mim, janela afora. Ele abriu o vidro.

– Você passa o dia todo em casa?

– Não. Trabalho de manha. Mas estou à noite.

– Ok.

- Vejo que ainda resta um coração dentro de você.

Ele não respondeu dando de ombros e ligou o carro, acelerando e partindo.

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